A Cinemateca Brasileira não existe sem os seus trabalhadores
Os trabalhadores da Cinemateca Brasileira contratados pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – ACERP, entidade atualmente responsável pela gestão administrativa da instituição e também da TV Escola (Rio de Janeiro e Brasília), estão com dois meses de salários e notas de prestação de serviços atrasadas, e três meses sem os benefícios essenciais como vales refeição e alimentação. Não há, inclusive, dinheiro para a rescisão dos trabalhadores, tampouco houve o recolhimento do FGTS dos trabalhadores desde de março deste ano.
A situação colocada hoje é fruto de uma política do Estado para terceirizar e privatizar os serviços públicos, postura de longa data de autoridades públicas que, cada vez mais, não se responsabilizam pela administração de seus órgãos. Uma prática aberta a administrações nada transparentes, com interferências políticas duvidosas para atender interesses de ocasião. A ACERP, uma organização social (OS) vinculada ao Ministério da Educação para a gestão da TV Escola, ganhou a licitação para gerir a Cinemateca Brasileira, assinando em 2018 um termo aditivo ao Contrato de Gestão (CG) da emissora, que envolveu também o hoje extinto Ministério da Cultura. No final de 2019, o vínculo da ACERP para gerir a TV Escola foi encerrado bruscamente pelo Ministério da Educação. Assim, o termo aditivo da Cinemateca Brasileira também se extinguiu e a ACERP afirma estar tentando, desde então, reestabelecer um repasse do Governo Federal para a continuidade da instituição. Esse imbróglio político e jurídico afetou radicalmente os trabalhadores da TV Escola e da Cinemateca Brasileira.
Muito se sabe a respeito do quadro emergencial em que se encontra o acervo da Cinemateca Brasileira, que tem sua origem a partir da organização da sociedade civil e abriga mais de 120 anos de história da cultura audiovisual brasileira. Mas pouco tem se falado sobre a situação do seu corpo de trabalhadores, cuja sobrevivência também se encontra inteiramente em risco. Nesse atual cenário, não podemos esquecer que sem trabalhadores não se constroem nem se preservam acervos, ainda mais em uma instituição como a Cinemateca, cujo conhecimento e competência na preservação e difusão do patrimônio audiovisual brasileiro são construídos e atualizados diariamente, na totalidade das suas atividades correntes e de médio e longo prazo.
O caos instaurado na vida dos trabalhadores também é resultado da gestão sem transparência da ACERP. A entidade nunca foi clara a respeito de sua situação financeira, tampouco esclarece seus funcionários sobre a renegociação de um novo contrato, conquistas por melhores repasses ou busca por outras soluções de continuidade. Sabemos, hoje, que a situação já não era boa e desde o final de 2019, com o rompimento unilateral do CG pelo Ministério da Educação, tornou mais que previsível a situação trágica que agora se impõe. A aposta da ACERP desvela a sua irresponsabilidade em gerir o seu caixa, resultando em centenas de trabalhadores sem salários ou benefícios, justamente durante a pandemia da COVID-19.
Nós trabalhadores da Cinemateca Brasileira não recebemos qualquer comunicação da ACERP a respeito dessa real situação, tampouco o que estava sendo feito para resolvê-la. Apenas dois comunicados: em 30 de março, avisando que parte de alguns salários seriam parcelados, sem a indicação da data de pagamento da segunda parcela; e em 28 de abril, dois dias antes da data do pagamento, avisando que os salários não seriam pagos, mas que havia a esperança de regularizá-los na primeira semana de maio. Nada também foi dito sobre os vales refeição e alimentação não pagos na sua totalidade desde março, benefícios essenciais que representam um total de 30% na renda dos funcionários com menores salários. Somos profissionais, seguimos trabalhando tanto de modo remoto quanto presencialmente, queremos garantir nossos empregos, mas sob o cumprimento legal de pagamento de salários, contratos, benefícios e direitos por parte do empregador.
Mesmo com mais de dois meses sem receber os nossos vencimentos, até o momento, trabalhamos dentro do possível e no meio da maior crise sanitária e econômica dos últimos anos para manter as mínimas condições de preservação, pesquisa e difusão do acervo da Cinemateca Brasileira. Mas o limite das reservas financeiras chegou para muitos de nós, por isso decidimos recorrer a doações públicas, para que possamos ter um socorro até que a situação seja resolvida entre a ACERP e o Governo Federal. Resolução ainda incerta, pois oscila entre duas alternativas preocupantes: a abertura de um novo edital para a gestão da instituição por outra empresa, aos trancos e com recursos escassos, que não permitem a continuidade dos trabalhos a médio e longo prazo, oferecendo uma prática de preservação meramente discursiva. A segunda seria a reabsorção da Cinemateca pelo Estado, que, conforme alega o Ministério do Turismo, implicaria no seu fechamento, a princípio, até 2021. E traria o desemprego de todos os seus atuais trabalhadores, gerando iminente risco ao acervo. A ambas opções nos opomos: queremos o pagamento dos salários devidos, a manutenção dos empregos e a perspectiva de uma política de preservação e difusão que respeite a cultura brasileira em toda a sua diversidade.
Por que precisamos de doações e como faremos a distribuição
Em meio ao descaso e desrespeito da ACERP com seus trabalhadores, e pela falta de repasses dos recursos pelo Governo Federal à ACERP, decidimos realizar a campanha pública para amenizar os efeitos dessa situação que não tem perspectiva de se resolver, até o momento.
Na Cinemateca Brasileira somos 62 trabalhadores contratados diretamente pela ACERP, entre CLT’s e PJ’s, e 93 trabalhadores de empresas terceirizadas – colegas estes que, por ora, ainda recebem os seus vencimentos.
Para realizar a arrecadação e fazer a redistribuição das doações, partimos de um formulário preenchido pelos 62 trabalhadores, diretamente contratados pela ACERP, e trabalhadores que dependem da programação que ocorre na Cinemateca para terem alguma renda. A coleta dessas informações possibilitou dimensionar uma quantia para as urgências, estabelecer prioridades e prever suporte para esses trabalhadores correspondente aos meses não recebidos.
Após todos os atrasos e a falta de garantia de nossos empregos, metade dos funcionários, e suas famílias, precisam de auxílio urgentemente. No entanto, sabemos que ao fim do terceiro mês de atraso, este número vai aumentar e precisamos contar com algum auxílio que atenda a todos.
Através das doações arrecadadas a partir desta campanha pública, priorizaremos o repasse para trabalhadores em estado de emergência e, dependendo da arrecadação, estenderemos aos demais funcionários, que também seguem com salários e pagamentos de prestação de serviços atrasados, e sem seus benefícios essenciais.
Caso queira entrar em contato conosco envie e-mail para [email protected].
ARTICLE SOURCE: BENFEITORIA.COM/TRABALHADORESDACINEMATECA
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Sem noção este desgoverno