Para Dominique Wolton, comunicação deve ser tratada como bem social: 'Queremos sempre abraçar alguém'
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Bolívar Torres - 27/07/2020
RIO - Defensor apaixonado da imprensa profissional, o sociólogo francês Dominique Wolton dedicou sua carreira a analisar os desafios da comunicação em um mundo dominado por ruídos. A pandemia trouxe ao especialista em mídia ao menos uma certeza: a de que o vírus não apenas colocou em evidência a necessidade do bom jornalismo, como vem demonstrando a sua grandeza.
Autor de livros como “Informar não é comunicar” (Sulina, 2011) e “É preciso salvar a comunicação” (Paulus, 2006), Wolton é figura recorrente em estúdios de TV e programas de rádio de seu país, nos quais costuma analisar temas como as novas mídias, o crescimento das bolhas das redes sociais e a explosão das fake news. Diretor de pesquisas do Centro Nacional de Pesquisas Científicas francês e da prestigiosa revista “Hermès”, dedicada a estudos multidisciplinares da comunicação, ele acaba de lançar na França o livro “Vive l’incommunication, la victoire de l’Europe” (“Viva a incomunicação, a vitória da Europa”), sobre os encontros e desencontros da União Europeia, sem previsão de publicação por aqui.
Utopias digitais
N os últimos anos, o sociólogo se dedicou a atacar o que ele chama de “visão tecnicista” da comunicação. Sua tese é que tecnologia acelerou a transmissão da informação, mas piorou em muito a nossa capacidade de se comunicar. Por muito tempo, isso lhe rendeu algumas brigas com os admiradores das utopias digitais, que defendiam as novas mídias com o argumento de que a tecnologia, por si só, salvaria o mundo.
— Por que nessa pandemia as pessoas foram para a janela cantar e se comunicar com outras pessoas? Porque queremos sempre encontrar alguém, abraçar alguém — diz o sociólogo, em entrevista por telefone. — É aquilo que defendo há 30 anos: a superioridade da comunicação humana sobre a técnica. Chega uma hora em que o computador nos entedia. Com ele, mandamos uma foto até o Alasca, mas qual a importância disso se você não mora no Alasca? Já a voz humana não chega até lá, mas pode ser ouvida na nossa rua.
Não foram apenas as janelas que mostraram sua importância na crise. Nessa pandemia, as pessoas estão cada vez mais recorrendo ao jornalismo profissional para se informar, diz Wolton. Pesquisas recentes parecem lhe dar razão: segundo um levantamento da Axios feito em maio, metade dos americanos prefere confiar na imprensa e não nas redes sociais para se informar sobre o coronavírus.
— O jornalismo tradicional não é perfeito, mas pelo menos com ele há regras claras — diz Wolton. — Sem essas regras, temos a tirania do dinheiro e o fim da liberdade de imprensa. Sempre defendi a ideia de que rádio, televisão e jornal são bens sociais. Em um momento de crise, ficamos felizes em saber que todos dividem as mesmas referências. É uma relação de confiança.
Coube à imprensa, lembra Wolton, o papel de informar às pessoas que é preciso ficar em casa, lavar as mãos e usar álcool em gel, entre outras tantas recomendações. O que não deixa de ser uma resposta aos movimentos anti-imprensa e anticiência que ganharam força nos últimos anos, alavancados pelas redes sociais.
— O sistema democrático tem tendência a apresentar a expressão nas redes como uma forma de contrapoder em que os cidadãos podem colocar a sua própria verdade — diz o sociólogo. — Existe a falsa ideia de que as redes são uma expressão contra a tirania da mídia e dos políticos. Ou seja, os jornalistas mentem, os políticos mentem, só o “povo” diz a verdade. Isso é falso, claro. As redes são, sim, uma forma de contrapoder, mas não para os cidadãos, porque lá não há controle e cada um pode dizer o que quer.
Sem sincronia
Mas nem sempre ciência e jornalismo estão em sincronia. Ansiosos por respostas à pandemia, o público e a mídia se voltaram para os especialistas. Professores, cientistas, médicos e “ólogos“ em geral passaram a ocupar um espaço ainda maior nas pautas. Algo positivo, mas que exige precauções, analisa Wolton. Por natureza, a ciência nunca tem certeza e nem sempre pode dar respostas rápidas; já o público, sedento por novidades, busca decisão e rapidez. Ao longo do tempo, acredita ele, os cientistas só podem nos decepcionar. Algo que já se vê, por exemplo, no frenesi pela tão ansiada vacina contra a Covid-19.
— Não é a culpa de nenhum dos dois, mas ciência e mídia não têm a mesma concepção de tempo — observa. — Se quisermos evitar a anarquia, precisamos aceitar e preservar essas diferentes temporalidades. O modelo da imprensa é a notícia. A guerra, os jogos olímpicos, tudo vira um evento. Como estamos parados, sem evento, a própria pandemia virou um evento. Não adianta perguntar a cada dois dias: “cadê a vacina?”. A mídia precisa ter algo novo a cada duas horas, só que a ciência não pode funcionar em duas horas.
A última obra de Wolton lançada por aqui é “O futuro da fé” (2018), uma série de entrevistas suas com o Papa Francisco. As conversas lhe renderam uma forte ligação com o Pontífice, embora ainda não tenham se falado durante a pandemia. Já “Vive l’incommunication”, seu novo livro lançado na França, é uma ode à incomunicação europeia. Segundo o autor, a força do continente está na diferença entre seus países — que, mesmo desconfiando um do outro, ainda assim conseguem conviver.
O sociólogo defende em suas obras que a comunicação deve ser tratada, antes de tudo, como um bem social, argumentando que isso ajudaria a conter as explosões de fake news que poluem nossos diálogos. A teoria de Wolton é que elas teriam se transformado numa resposta “estúpida” à overdose de informações que recebemos do noticiário.
— Acaba sendo uma maneira equivocada de retomar o controle de um mundo que lhes escapa. Hoje estamos afogados em informação, e as fake news se tornaram uma espécie de contra-ataque para que o cidadão comum retome um pouco de influência e importância na vida. Essas pessoas estão dizendo “aqui estamos, nós existimos”.
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Bolívar Torres - 27/07/2020