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Cineasta Zeca Pires em entrevista (via Skype) para Luiz Carlos Azenha
Da Redação
Os ecos de um passado que o Brasil varreu para debaixo do tapete nos alcançaram em pleno século 21, estima o documentarista Zeca Pires, autor de Anauê! – O Integralismo e o Nazismo na Região de Blumenau, lançado em 2015.
No filme, Zeca contextualiza a chegada dos imigrantes ítalo-germânicos ao interior de Santa Catarina, e fala tanto do preconceito que sofriam quanto do desprezo que eles próprios manifestavam em relação aos locais.
Nos anos 30, organizados tanto na Ação Integralista Brasileira (AIB) quanto na seção brasileira do Partido Nazista alemão — a maior fora da Alemanha — os extremistas de direita assumiram o poder político local, fazendo maioria na Câmara e elegendo o prefeito de Blumenau — foi onde, no período, o fascismo mais fortemente se institucionalizou no Brasil.
A versão cabocla do nazifascismo, obviamente, adaptou-se às disputas oligárquicas da época em Santa Catarina — em torno do núcleo de duas famílias –, mas foi escondida sob o tapete, como se nunca tivesse existido, depois da derrota de Alemanha e Itália na Segunda Guerra Mundial.
Zeca interessou-se pelo tema ao ouvir da mãe histórias de quando ela foi professora em Timbó, também no vale do Itajaí — o entorno de Blumenau, hoje com cerca de 500 mil habitantes, tem renda per capita altíssima, considerados os padrões brasileiros.
A mãe de Zeca serviu à “nacionalização” decretada pelo governo Getúlio Vargas, que depois de aderir aos Aliados na Segunda Guerra acabou com as aulas em alemão e tomou outras medidas para controlar ideologicamente o chamado Vale Europeu.
Anauê! é um documentário multifacetado, que não demoniza os imigrantes de então e os coloca no contexto de uma época.
O que verdadeiramente surpreende é como o Brasil mudou pouco ao longo dos últimos 80 anos.
Num salto para o futuro, Zeca lembra que Jair Bolsonaro obteve 71,5% dos votos em Blumenau no primeiro turno das eleições de 2018 (contra 8,5% de Fernando Haddad) — e chegou a 84% no segundo turno!
Ao traçar o fio condutor entre o passado e o presente, Zeca lembra que nos anos 30 o lema da AIB era Deus, Pátria e Família e hoje as forças políticas que sustentam o bolsonarismo são o Boi, a Bala e a Bíblia.
O documentarista acredita que o cimento ideológico que levou ao sucesso de Bolsonaro no vale do Itajaí foi o ressentimento das classes alta e média locais com avanços dos “de baixo” obtidos nos governos Lula e Dilma, que mexeram, ainda que tenuamente, com a rígida hierarquia social.
Na entrevista acima, Zeca lembra vários episódios que demonstram como ideias do passado sobrevivem hoje, ainda que não expostas publicamente.
Num país que tem larga tradição em enterrar aspectos da História que não interessam às elites — dos massacres dos indígenas aos estupros de 300 anos de escravidão –, o filme é potente por iluminar um microcosmo dos donos do Brasil.
Envergonhados posteriormente pela associação com Hitler e Mussolini, lá atrás enterraram a História e agora alguns de seus descendentes espalham por aí que “o nazismo é de esquerda”.
Vale a pena ouvir a entrevista de Zeca e, em seguida, ver Anauê!: